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QUEBRADEIRA E LIÇÕES DE BOSTON

Por Thiago Ribeiro
01.03.21

A maratona de Boston é o templo das maratonas. Para estar ali é preciso passar por um teste antes. Um teste que fala muito sobre sua relação com a corrida: você está disposto a se dedicar de fato e a treinar para se qualificar? Se sim, seja bem-vindo ao time. Treine bastante e tente a sorte em alguma maratona oficial. Se conseguir correr abaixo do tempo de corte, parabéns! Agora você pode correr a famosa, desejada e tão sonhada maratona de Boston. Feito isso, não deixe a peteca cair e se prepare, porque o desafio continuará em Boston: maratona com percurso técnico, sem moleza. Quase uma montanha russa. Subida atrás de descida, o tempo todo.

 

Mas o mais importante: esteja preparado para se emocionar, e se apaixonar. O que faz a maratona de Boston ser tão especial é quem está por trás dela. Seja correndo ou torcendo. Prepare-se para retribuir sorrisos. Rir da criatividade estampada nos cartazes. Deixar as lágrimas rolarem. Arrepiar ao ouvir o som ensurdecedor da torcida que se reúne para incentivar os malucos que passam correndo, andando ou se arrastando ao longo de cada um dos 42 quilômetros e alguns quebrados do percurso. Boston é incrível, e é impossível não sentir um turbilhão de emoções nessa prova.

 

A minha meta de tempo era ousada, e de certa forma refletia o quanto eu me preparei para correr com os melhores do mundo. No começo tudo ia impecavelmente bem. Passei a meia maratona dentro do programado, e estava me sentindo extremamente bem. Sabia desde o começo que estava sendo ousado, porque a segunda parte da prova exigiria muito mais do que a primeira. Mas quem não arrisca fica sempre na mesma, e essa nunca foi minha intenção. Eu queria dar tudo o que tinha. Eu queria testar meu limite. Por isso arrisquei. E quebrei. Quebrei feio.

 

Foi difícil ver a prova perfeita ir ladeira abaixo. Quando o ritmo começou a sair do controle, gritei para mim mesmo que aquilo não estava acontecendo. Foquei em tudo quanto é pensamento bom que me forçava a ter e tentei de tudo para voltar para o eixo, ainda que aquilo significasse correr em um ritmo um pouco mais lento até o fim. Implorei paro corpo e cabeça me deixarem seguir firme só por mais uma hora e poucos minutos. Até que tudo pifou. Não era o dia. Parei e chorei igual criança. Aquilo significava muito para mim, e só eu sei o quanto.

 

É claro que ninguém gosta de perder. E essa é a primeira grande lição que o esporte nos ensina: aprender a lidar com frustrações e derrotas. Saber que se fizer tudo certinho, você estará no caminho da vitória, da conquista pessoal, da alegria, da satisfação, do sonho realizado. Mas que mesmo assim, no esporte isso não é uma regra, e tudo pode dar errado de uma hora para a outra. E, verdade seja dita, os momentos e dias ruins são inevitáveis e até necessários para chegar nos bons. Tanto no esporte quando na vida, ninguém só ganha. Perder faz parte do jogo, e saber perder é um baita de um aprendizado. 

 

Minha reação inicial então foi desistir. Para que eu iria me dar ao trabalho de caminhar quase 12 quilômetros só para pegar uma porra de uma medalha? E aí entra a maior lição que o esporte nos proporciona. O exemplo na prática do que é ‘espírito esportivo’.

 

Por maior que fosse minha frustração e decepção, sentado na tenda médica no quilômetro 30 e alguma coisa eu decidi que enquanto estivesse andando em linha reta ia seguir o rumo inevitável do dia. Até o fim, até a linha de chegada. Foda-se o tempo. Foda-se o plano A. Fui paro plano ‘Z’, que sequer tinha passado pela minha cabeça antes da largada. Era hora de retribuir um pouco do que a corrida tanto fez por mim. Desfocar um pouco do meu objetivo, do meu ritmo, do meu tão sonhado recorde pessoal, e me deixar levar pelo astral que a gente só encontra em Boston. 

 

Dali em diante, caminhei sorrindo. Batendo nas mãos de todo mundo. Famílias inteiras grudadas na grade, oferecendo todo tipo de comida, bebida e incentivo moral para os que correm. Sorri para todas as pessoas que olhei. Agradeci muito por estar ali. Bati nas mãos de homens, mulheres, crianças, idosos. Fechei a prova feliz. E, de quebra, vivenciei um dos momentos mais bonitos da minha vida no esporte até hoje. Um senhor caminhava com a cabeça baixa por volta do quilômetro 39. A parte mais cruel de qualquer maratona, o fim que não chega nunca. Cheguei do lado dele e disse que iríamos juntos até o fim. E assim fomos. Um apoiando o outro. Cheguei feliz e sorrindo. O tempo? Já não importava mais. 

 

Boston, você mexeu comigo. Me quebrou. Me fez cruzar a linha de chegada quase 1 hora além do que havia programado e do que treinei para fazer. Mas cheio de sentimentos e lições que vou levar para o resto da vida. Sai mais forte, e mais apaixonado ainda por correr. Apaixonado por correr maratona, essa distância tão mágica, que nos transforma. Apaixonado por viver correndo e por viver a corrida como um verdadeiro estilo de vida.

 

E pode ter certeza de uma coisa: voltarei. Com a mesma paixão por seguir colocando um pé após o outro até a próxima linha de chegada. 

Para fechar, uso da sabedoria de um grande amigo. Silvio Póvoa, médico, esportista, e excelente em tudo o que faz, dizia mais ou menos o seguinte: "a primeira lição do esporte é te ensinar a vencer. A segunda é que nem tudo nele é vencer."

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