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NINGUÉM AGUENTA MAIS OUVIR

FALAR DE RESILIÊNCIA

Por Thiago Ribeiro
15.03.21

Ninguém aguenta mais ouvir a palavra ‘resiliência’. Como aquela música favorita que de tanto se repetir ameaça furar o disco e romper o tímpano, minha impressão é que a “rádio coaching” e o discurso batido do mundo corporativo banalizaram e corromperam um conceito que de início tinha tudo para ser genial. 
 
Para afastar as baboseiras que ouço por aí, começo pelo que eu não consigo ver sentido quando ouço falar a torto e a direito sobre ser resiliente. Não acho que seja pura e simplesmente sobre aguentar levar porrada. Ou, no linguajar rebuscado que estampa frases motivacionais: superar as adversidades custe o que custar. Ao contrário dessa visão limitada que enxerga da perspectiva de fora, e não de dentro, acredito que a ideia de resiliência é muito mais complexa e tem a ver com o que nos move e o que nos mantém em equilíbrio.

Para mim, resiliência não tem a ver com esse conceito simplista. Mas significa manter o equilíbrio interno, quando fora tudo está desequilibrado. Para isso, cada um encontra e usa suas próprias ferramentas. 

Ou não as encontra sozinho. Acostumados a reduzir filosofias para caber em uma página de autoajuda que venderá fórmulas mágicas para o sucesso, não raro nos esquecemos de ter empatia pela dor do outro. E perceber que para desencalhar um barco muitas vezes o marinheiro precisa pedir ajuda para quem tá de fora. 

Na sociedade do desempenho e do cansaço em que vivemos, o filósofo chinês Byung-Chul Hang acertou em cheio quando diz que ‘o depressivo é o inválido de uma guerra consigo mesmo’. E vai além: em um mundo movido pelo excesso de positividade, e ancorado pelo lema ‘Yes, we can’, o corpo infelizmente se torna uma limitação a ser superada pela mente que acredita que pode tudo. Nesse mundo insano, limites são para os fracos, e o forte tem poder para o que quiser.

Em um de meus devaneios, me peguei pensando sobre resiliência. E, como quase sempre acontece, me esbarrei com a corrida, seja traçando paralelos ou como guia de referência para arquitetar e estruturar pensamentos.
 
Então, trazendo para onde transito bem, vamos para a corrida. Mais especificamente, para uma maratona. E, nessa maratona, estão duas pessoas com perfis completamente diferentes. 

A primeira é apaixonada por correr há anos, e não vê a hora de colocar à prova todo o treinamento específico para uma maratona. Acordou empolgada e com um frio gostoso na barriga no grande dia. Vai para a linha de largada com o coração acelerado e um sorriso pendurado entre as orelhas. 

A segunda caiu de paraquedas na corrida após apostar com amigos que conseguiria completar uma maratona, sem nunca antes ter se aventurado no esporte. Só que desde o primeiro dia em que calçou um par de tênis de corrida, detestou cada segundo. Acordou de mau humor no dia da maratona, sofrendo por antecipação pelo que vinha adiante e arrependida da tal aposta.
 
As duas completaram. Sofreram, “foram resilientes” e suas pernas não se esquecerão tão fácil da prova nos próximos dias. Mas provavelmente, uma sente felicidade pura, a outra alívio. E dificilmente a pessoa que foi pela aposta se enfiará em uma maratona de novo. 

Sem mais rodeios, a conclusão já se mostra evidente: mais importa o que sustenta a resiliência do que a resiliência em si. Quanto mais nos conhecemos para determinar o que nos move, melhor saberemos escolher os picos certos para as próximas escaladas. Do contrário, seguiremos atravessando montanhas em vão, longe de onde verdadeiramente pretendemos chegar. Fadados a cair na vazia ilusão de que tudo podemos, sem sequer sabermos definir aquilo que faz nosso coração bater mais forte. 

De que adianta achar que somos capazes de abraçar o mundo, quando nos esquecemos de nós mesmos? Viveremos de aposta em aposta, de espasmo em espasmo, ou nos voltaremos para dentro em busca de continuidade?

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