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MINHA ENTRADA NA NUTRIÇÃO:

CONTINUIDADE DE UM NOVO RUMO

Por Thiago Ribeiro
19.03.21

Com a formidável maturidade de um garoto de 16 anos, decidi pelo Direito esperando com isso encaminhar minha vida profissional pelas próximas décadas. Mas preciso dar um passo atrás para explicar melhor de onde veio essa alternativa e porque não tinha nada a ver comigo.

 

Sou de Uberlândia. Típica cidade do interior, onde as ideias da maioria das pessoas ficaram congeladas no século passado. Por isso, a escolha da trajetória profissional envolvia só as três carreiras consideradas promissoras e seguras: medicina, engenharia e direito. Qualquer coisa além dessas possibilidades causaria um alvoroço mental e uma chuva de previsões cravadas em pedra, que começavam e terminavam com “tem certeza? Isso não dá dinheiro!”.

 

Assim, o Direito veio por eliminação, e a USP como um primeiro desafio para alargar minha autoconfiança. Depois de dois anos em que o grande objetivo da minha vida se resumiu a passar em um único vestibular, comecei a faculdade. Não precisei de muito tempo para perceber que nada ali tinha a menor conexão comigo: as matérias, os professores, a pompa que cerca o universo jurídico, as leituras emperradas e difíceis que quase me traumatizaram, e por aí vai. Foi pela repulsa e pela negação que eu começaria a verdadeira jornada de me conhecer com profundidade.

 

Nessa mesma época, o esporte começou a preencher um vazio. Veio como um segundo desafio, agora para avançar meu autoconhecimento e lapidar tantos outros pilares da vida. Sempre tive uma relação próxima com o esporte. Treinei futebol na infância, tênis na adolescência e arriscava tudo como hobby – de peteca a futevôlei. Movimento faz parte do meu DNA, mas dessa vez foi bem diferente.

 

Só correr não bastava, precisei me enfiar em uma maratona. Olhando em retrospectiva, vejo que ter me dedicado a metas arrojadas funcionou como uma válvula para escapulir da enfadonha rotina açoitada por aulas tediosas e um trabalho mais maçante ainda. Muita gente me disse que ser efetivado no estágio, fazer TCC, prova da OAB e ainda um Ironman – tudo isso no mesmo ano – seria impossível. Eu tenho certeza de que pelo menos a parte do Ironman foi mais que necessária para conseguir ter levado o resto a cabo. Muito mais que uma fuga, era o começo de um encontro comigo mesmo.

Falar que virei maratonista é pouco. Sou um apaixonado por tudo o que envolve esportes endurance, e me descobri nesse estilo de vida. Em busca de performance, fui moldando uma essência que sempre esteve ali, mas até então era praticamente irreconhecível em seu estado bruto. Sem perder de vista o equilíbrio com as tantas outras facetas de mim mesmo, comecei a mergulhar mais fundo nos elementos que se revelavam fundamentais para melhorar meu desempenho nos tantos desafios que buscava no esporte - especialmente na maratona.

 

Entendi que não bastava só treinar igual um maluco. Precisava ser eficiente e pensar em tudo que pudesse potencializar os resultados de um bom treino. Assim, organicamente a minha alimentação tomou outra proporção. Claro que ainda como pelo prazer de comer, e disso não abro mão. Mas hoje enxergo minha relação com a comida muito além de apenas satisfazer meros desejos. Dentro das possibilidades do que tenho vontade, seleciono o que melhor conversa com as metas que vira e mexe me proponho no esporte. Colocar alma e corpo em sintonia é uma das belezas da alimentação quando ela é pensada não só para saciar prazeres, mas também para nutrir, para dar energia e para ser combustível do corpo. “Você é o que você come e o que seu corpo digere” nunca fez tanto sentido.

 

Passei a me interessar mais pela ciência do assunto. Como o tal do carboidrato ajudaria meu corpo durante uma maratona? Qual a importância da proteína? A gordura é mesmo uma vilã por si só? Uma lista de perguntas começava a se abrir diante de mim, e eu gostava cada vez mais de estudar sobre o tema.

 

Fui cobaia dos meus próprios testes. Sempre focado nos benefícios da nutrição para minha performance, me tornei mais saudável. Menos industrializados, mais alimentos naturais e frescos. Menos excessos, mais equilíbrio. Menos alienação, mais consciência. Intuitivamente, sabemos que precisamos da comida e ponto. Eu queria ir além e entender os detalhes. Ser mais ativo e menos passivo com relação à minha própria alimentação.

 

Até que as duas pontas inevitavelmente se conectaram. A negação cedeu à essência o espaço que nunca lhe pertenceu. Convivi muito tempo com a certeza de que não atuaria com o Direito, mas com a dúvida do que surgiria para ocupar esse lugar. A angústia de não ter essa resposta permaneceu comigo durante anos, e foi o próprio esporte que me trouxe a sabedoria necessária para lidar com isso – além de algumas boas horas de terapia, claro. Entendi que, assim como a gente não evolui na maratona da noite para o dia, seria maluquice esperar que um oráculo sagrado me trouxesse embrulhada a solução para os meus problemas.

 

Mergulhar em nossa própria essência é um processo. Um processo que, no meu caso, é inseparável das tantas linhas de chegada que o esporte me trouxe. Me ensinou a perder, a refletir e a tentar de novo. Me ensinou que não existe essa de recomeço. Mas sim uma eterna e fluida continuidade. Uma maratona pode até terminar para darmos sequência a um novo ciclo, mas o que vale no fim das contas é o fato de estarmos em constante mudança e amadurecimento. Muito além do tempo final na maratona, importa mais o que absorvemos dos treinos e competições, e como assimilamos isso em nossas vidas.

 

Se eu esperasse o envelope onde estaria escrita a resposta para minha pergunta, provavelmente seria um advogado frustrado para o resto da vida. Mas voltei naquela mesma decisão que fiz no auge dos meus 16 anos de imaturidade, e dessa vez optei pela única alternativa possível. Pela maratona que faz sentido.

 

Saiu o resultado: passei em nutrição na USP. Fazer uma nova faculdade beirando os 30 pode parecer loucura. Mas, se a gente só vive uma vez, eu escolho de olhos fechados fazer o que gosto. Escolho estar sempre comprometido com meu próprio processo de autoconhecimento. E também com meu propósito no mundo, que vai muito além do umbigo. Quando nos questionamos como nossas decisões exercerão influência positiva ao nosso redor e ficamos felizes com as respostas, é um baita indício de que estamos no caminho.

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